Os árabes no Amazonas
Jorge Baleeiro de Lacerda
Aos poucos, a bibliografia sobre a presença de imigrantes na Amazônia recebe aportes substanciais, que nos retiram da abordagem superficial do tema e nos possibilitam saber mais consistente sobre os que foram ganhar a vida na Amazônia nos tempos da borracha, quando o Amazonas viveu grande momento de sua vida econômica, nunca mais retomado.
O regatão, primeiro português, depois judeu e árabe, assoma como figura importante dessa saga. Duas obras lhe traçaram o perfil: “O Regatão” (1938), de Mário Ypiranga Monteiro e “O Regatão – mascate fluvial da Amazônia” de João Alípio Goulart. Ambas foram publicadas há mais de 30 anos. Alípio acusa Mário Ypiranga de ter se limitado a estudar o “regatão” apenas no Estado do Amazonas, no que é seguido por Arthur Cezar Ferreira reis. Eu, por minha vez, observei que Ypiranga e Goulart falaram muito pouco dos “árabes” em seus livros, dedicando-os basicamente ao regatão português do século passado, certamente por haver mais documentos sobre essa época. Alípio Goulart, pelo que deduzi da leitura de seu livro, não viajou pelo interior da Amazônia nem esteve, por exemplo, em Manaus, na Praça dos Remédios ou na rua dos bares, onde teria grande manancial de informações com as famílias árabes que ali vivem e mercadejam. Em 1996, o advogado, tributarista, poeta e acadêmico Gaitano Antonaccio, manauara da gema, apesar do nome italiano, publicou interessante estudo: “A Colônia Árabe no Amazonas” — 400 páginas —, em que, valendo-se de seu convívio de mais de 40 anos com a colônia árabe de Manaus, das conversas de fim de tarde, do relacionamento familiar com grandes comerciantes de origem síria, amealhou vasto cabedal sobre esses imigrantes que dominaram, entre 1895/1930, o comércio do Amazonas como regatões, pelos rios, Amazonas, Solimões, Purus, Juruá, Madeira, dentre tantos outros rios.
Não se pode falar sobre a história de Manaus deste século sem citar os sírios-libaneses, os “árabes’ das ruas, dos Bares, Barão de São Domingos, Rocha dos Santos e das Travessa Tabelião Lessa, de que surgem sobrenomes como Mussa, Salem, Nadaf, Bulbol, Azize, Ossani, Nasser, Auache e muitos outros. Gaitano estuda os “batrícios” do Amazonas, dando a vários deles capítulos inteiros de seu livro. A falta de documentos, aqui e acolá, vale-se do depoimento oral, do relato da história testemunhada por gente de expressão como a ex-deputada Elizabeth Azize, autora de “E Deus Chorou Sobre o Rio”. Natural de Manacapuru, a pouco mais de 100 km de Manaus, Beth é filha de Rafael Azize Abrahim e neta de Azize Dibo Mussa, regatão sírio, que fez nome e fortuna mascateando pelos rios, de maneira especial na região da Manacapuru. Gaitano conta a saga dos Azize, como de tantos outros regatões “batrícios”, cujos filhos e netos, hoje são brasileiros plenamente integrados na comunidade nacional a ponto de termos deputados, senadores e ministros de origem árabe, como o caso de Adib Jatene, nascido no Acre. Muitos se casaram com brasileiros, como no-lo mostra Gaitano. Azize Sahdo, por exemplo, apaixonou-se pela bela Francisca de Queiroz, de Tefé, da mesma forma que Maria Salém, herdeira de Salem José viria a casar-se com o português João Lopes de Britto, fundando o clã dos Salém de Brito, fortes comerciantes na área do livro (Livraria Britto) em Manaus.
Ao traçar o perfil das famílias árabe-manauaras, Hauache, Abrahim, Bichara, Bulbol, Chamma, Tuma, Mussa, Fraiji, Fadul, Assi, Said, Salem, Seffair, Bazi, Makarem, Sahdo, Daou, Tadros, dentre outras, no amazonas, Gaitano Laertes Pereira Antonaccio resgata, parcialmente, uma divida cultural para com os “turcos”, “batrícios”, “sírios-libaneses”, “regatões batrícios”, “teco-tecos” ou como o queiram chamar esses comerciantes que singravam os rios da Amazônia comprando dos caboclos “pélas” de borraha, pirarucu, mantas de peixe-boi, redes, esteiras, paneiros de farinha, frutas, peixe salgado, manteiga de tartartuga, mandioca, cachos de banana, cachos de pupunha, castanha, sorva, balata, peles de todos os tipos, e lhes vendendo armarinhos, ferragens, terçado, machado, foice, anzóis, miudezas, perfumarias, querosene, remédios e ilusão.
Oxalá, na próxima edição, Gaitano (biógrafo do jurista Bernardo Cabral: “Bernardo Cabral, o jurista, o político, o intelectual”, editora Komedi, Campinas, 2007) convoque o fotógrafo manauara Jacques Menassa para ilustrar com fotos de seu arquivo a presença árabe no Amazonas, possibilitando, assim, a todos nós um capítulo da antropologia visual do Amazonas. Que tal um álbum: “Os árabes no Comércio de Manaus”. Gaitano com seu livro deu um exemplo aos acadêmicos de história de toda a região Norte. Há todo um universo de pesquisa aberto sobre o regatão árabe na Amazônia. São tantos os aspectos que Gaitano Antonaccio apenas escreveu o exódio desse livro. Ainda não foi escrito o grande livro da presença e da saga dos sírios-libaneses no Brasil, apesar de existir muita coisa esparsa já publicada. O Brasil precisa conhecer esse estudo de Gaitano. Isshallá (oxalá) ele seja distribuído nas cidades brasileiras onde haja maior densidade de sírios-libaneses no afã de despertar descendentes para a tarefa de escrever sobre seus antepassados.
Não posso encerrar sem citar que Gaitano escreveu outros livros, obra poética e prosa, de que destacaria: “Entidades e Monumentos do Amazonas – Fundação, História, Importância” — 585 páginas, fotos coloridas, papel couchê; “Zona franca - Um Romance polêmico entre Amazonas e São Paulo”. Ele está trabalhando em extenso e denso estudo sobre o turismo no Amazonas, obra que será lançada em agosto próximo. O Amazonas precisa muito de seu talento e de seu conhecimento.
Todos estamos muito preocupados com a transformação de Manaus numa cidade-estado com mais de 60% da população do Amazonas. É preciso gerar emprego no interior para reverter esse quadro! O Amazonas pode ganhar milhões de dólares com o turismo ecológico e o livro de Gaitano vai ajudar nessa tarefa complexa.
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